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Economistas, convocados pelo Papa Francisco, apresentam plano para enfrentar crises da dívida e do desenvolvimento

Nota en medio de Brasil, O GLOBO. Por Luciana Casemiro

Grupo liderado por Stiglitz e Guzmán propõe uma reforma do sistema financeiro internacional garantir uma economia global sustentável e centrada nas pessoas

Nota en O GLOBO: https://oglobo.globo.com/blogs/miriam-leitao/post/2025/06/economistas-convocados-pelo-papa-francisco-apresentam-plano-para-enfrentar-crises-da-divida-e-do-desenvolvimento.ghtml

Martín Guzmán em encontro com o papa Francisco no Vaticano: A Comissão do Jubileu foi nomeada pelo Papa Francisco em fevereiro de 2025 para marcar o Ano Jubilar de 2025, quando a Igreja Católica enfatiza o perdão das dívidas e o combate à injustiça e à desigualdade
Martín Guzmán em encontro com o papa Francisco no Vaticano: A Comissão do Jubileu foi nomeada pelo Papa Francisco em fevereiro de 2025 para marcar o Ano Jubilar de 2025, quando a Igreja Católica enfatiza o perdão das dívidas e o combate à injustiça e à desigualdade — Foto: Vatican Media

Em fevereiro do ano passado, o Papa Francisco convocou cerca de 30 economistas de renome mundial, a Comissão do Jubileu, que liderada pelo ganhador do Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz e ex-ministro da Economia da Argentina e professor da Escola de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade de Columbia, Martín Guzmán, tinha uma missão elaborar o que foi nomeado de «Plano de ação para enfrentar as crises da dívida e do desenvolvimento e criar as bases financeiras para uma economia global sustentável e centrada nas pessoas”. O relatório, que será lançado nesta sexta-feira, em Roma, marca o Ano Jubilar de 2025, quando a Igreja Católica enfatiza o perdão das dívidas e o combate à injustiça e à desigualdade. O estudo é um legado deixado pelo Papa Francisco abraçado pelo Papa Leão XIV. Em junho do ano passado, Francisco clamou pela criação de um mecanismo internacional de reestruturação de dívidas soberanas e encorajou os líderes financeiros a “seguirem um código de conduta internacional com padrões éticos que possam orientar o diálogo entre as partes.”

Em uma conversa por escrito com o blog, Guzmán, que estará no Brasil em julho, durante a reunião dos Brics para apresentar o resultado do estudo, diz que a comissão apresenta um caminho prático e urgente para evitar uma década perdida de desenvolvimento nos países afetados e para construir um sistema financeiro internacional mais resiliente e eficiente.

– O Papa Francisco convocou a Comissão do Jubileu para enfrentar a dramática crise de desenvolvimento que hoje afeta mais de 50 países em desenvolvimento. Essa crise é resultado de decisões tomadas tanto por credores quanto por devedores, e somente uma responsabilidade compartilhada poderá levar a uma solução sustentável. As recomendações da comissão visam corrigir falhas estruturais profundas que têm permitido que o sobreendividamento soberano se torne uma característica recorrente da economia global – ressalta Guzmán, que respondeu ao blog direto de Roma, poucas horas antes do evento do lançamento do relatório no Vaticano.

Stiglitz afirma que «há um consenso crescente entre os especialistas de que o sistema atual de dívidas serve aos mercados financeiros — e não às pessoas. Isso ameaça condenar nações inteiras há uma década perdida — ou pior. Agora é a hora de agir com responsabilidade.”

Segundo relatório, a crise da dívida que assola o sistema financeiro global alimenta uma crise de desenvolvimento. O estudo aponta que, atualmente, 54 países em desenvolvimento gastam 10% ou mais de suas receitas fiscais apenas com o pagamento de juros, retirando recursos que deveriam ser investidos em educação, saúde, infraestrutura e resiliência climática. O documento chama a atenção para que os encargos médios com juros quase dobraram na última década.

Um dos líderes da comissão, economista argentino, destaca, com conhecimento de causa, que nos anos 1980, a América Latina perdeu uma década de desenvolvimento devido a uma crise da dívida. O mesmo risco, diz, paira sobre grande parte da África, além de países no sul da Ásia e na própria América Latina.

– Precisamos agir de forma diferente agora se quisermos um desfecho diferente. O relatório da Comissão do Jubileu oferece um caminho claro e viável, que pode ser implementado desde que haja vontade política.

Na avaliação da comissão, é necessário implementar reformas nas políticas, práticas e nos modelos de financiamento das instituições financeiras internacionais, incluindo os bancos multilaterais de desenvolvimento, de forma a evitar que os financiamentos dessas instituições sirvam para o pagamento de dívidas insustentáveis a credores privados. Segundo Guzmán, nos últimos tempos, os bancos multilaterais de desenvolvimento vêm adotando práticas muito semelhantes às de bancos comerciais.

– O desenvolvimento exige disposição para assumir riscos e agir com ousadia, e os bancos multilaterais devem estar preparados para sustentar esse papel. O relatório também defende uma mudança no enfoque: de empréstimos baseados em projetos para investimentos guiados por missões de desenvolvimento – avalia.

Um grupo com mais de 30 especialistas globais de alto nível, liderado pelo Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e pelo ex-ministro da Economia da Argentina e professor da Universidade de Columbia, Martín Guzmán, assina o relatório apoiado pelo Vaticano — Foto: Divulgação
Um grupo com mais de 30 especialistas globais de alto nível, liderado pelo Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e pelo ex-ministro da Economia da Argentina e professor da Universidade de Columbia, Martín Guzmán, assina o relatório apoiado pelo Vaticano — Foto: Divulgação

O ex-ministro da Economia da Argentina afirma que as reestruturações de dívida, quando ocorrem, devem ser suficientes para garantir a sustentabilidade da dívida.

– Reestruturações inadequadas, que apenas maquiam o problema, acabam por provocar crises ainda mais custosas — um padrão que tem caracterizado essas operações nas últimas décadas. Esses processos também precisam ser tempestivos, pois atrasos podem agravar a profundidade e a duração das crises. Reestruturações têm sido, repetidamente, “tardias e insuficientes”.

O Relatório do Jubileu, diz Guzmán, aponta que em casos que a dívida de um país for tão elevada que, mesmo com a rolagem das obrigações a taxas de juros baixas, seriam necessários superávits orçamentários inviáveis — o que comprometeria a recuperação e o desenvolvimento de longo prazo —, a reestruturação deverá incluir uma redução do valor principal da dívida. Para países com níveis de endividamento mais baixos, avalia, uma troca de dívida que envolva extensão significativa dos prazos e redução das taxas de juros para níveis próximos aos praticados pelo Banco Mundial pode ser suficiente.

As conclusões do relatório serão discutidas na 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que acontecerá de 30 de junho a 3 de julho, em Sevilha, na Espanha. O estudo também será apresentado na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, em setembro, e na Cúpula do G20, em Joanesburgo, África do Sul, em novembro.

Confira as principais recomendações do relatório

  • Melhorar a reestruturação da dívida: mudar políticas das instituições multilaterais e legislações em jurisdições-chave para que credores e governos devedores tenham novos incentivos para acordos de reestruturação mais rápidos e sustentáveis.
  • Encerrar os resgates a credores privados: instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional, devem reformar suas políticas para apoiar recuperações sustentáveis, e não resgates de fato a credores privados ou políticas de austeridade prejudiciais ao desenvolvimento do país.
  • Fortalecer políticas internas: países em desenvolvimento devem utilizar mais amplamente regulações de conta de capital para desencorajar fluxos financeiros desestabilizadores e criar um ambiente mais estável para investimentos de longo prazo, além de investir em transformação estrutural.
  • Aumentar a transparência: todos devem apoiar políticas financeiras que sejam transparentes e contem com amplo apoio social.
  • Reimaginar as finanças globais: todos devem apoiar uma mudança abrangente nos modelos de financiamento global para promover o financiamento do desenvolvimento sustentável, incluindo empréstimos voltados para o crescimento de longo prazo.

O Papa Leão XIV declarou em sua cerimônia de posse, em 18 de maio de 2025:

“Em nosso tempo, ainda vemos muita discórdia, muitas feridas causadas pelo ódio, pela violência, pelo preconceito, pelo medo das diferenças e por um paradigma econômico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres.”

NOTA PUBLICADA EN EL MEDIO BRASILEÑO O GLOBO